Contra o desânimo
Hoje, dia 10 de novembro, a Seleção Portuguesa de Futebol recebe a sua congénere saudita, no Estádio Municipal do Fontelo, em Viseu. Três dias depois, recebe a sua congénere norte-americana no Estádio Magalhães Pessoa, em Leiria.
Ambos os jogos são particulares, possuindo também uma componente solidária: serão transmitidos em simultâneo pelos três canais de televisão generalistas e as receitas reverterão para as vítimas dos incêndios que assolaram o país, nos últimos meses
Os Convocados para esta dupla jornada foram Divulgados na passada sexta-feira. Só os mais desatentos é que ficaram surpreendidos com a ausência de nomes sonantes, como Cristiano Ronaldo, Rui Patrício, João Moutinho, Ricardo Quaresma, entre outros. Já o mesmo tinha acontecido há dois anos, nos particulares de novembro.
Não nego, no entanto, que tinha esperado que Fernando Santos não fizesse o mesmo este ano. Não me interpretem mal, sou completamente a favor de renovação na Equipa das Quinas – ainda me lembro da situação há quatro ou cinco anos, em que era um drama de cada vez que um dos habituais titulares se lesionava. No entanto, dificilmente temos exibições decentes quando os onzes são formados por jogadores sem rotinas uns com os outros.
Além disso, regra geral, os adversários destes jogos são pouco apelativos.
Para ser sincera, não sei se existe grande utilidade em fazer testes nesta altura do campeonato. Faltam sete meses até ao Mundial, dois terços de uma época futebolística. Jogadores que, agora, estão em alta, podem estar confinados ao banco daqui a quatro ou cinco meses. Ou lesionados.
Não que esteja a censurar Fernando Santos. A culpa é do calendário das seleções. Depois desta dupla jornada, só voltamos a ter jogos em finais de março (se não estou em erro). Já me fartei de queixar disso ao longo dos últimos anos, volto a fazê-lo agora. Mais do que para aqui a Sofia matar saudades da Equipa de Todos Nós, os antigos particulares de fevereiro ou princípios de março davam jeito para testar alternativas.
Enfim, faz-se o que se pode.
Na verdade, não sei muito sobre os jogadores que se estreiam na Convocatória. Aplaudo a Chamada de Edgar Ié e Ricardo Ferreira, que a defesa das Quinas precisa de sangue novo. Por sua vez, Manuel Fernandes já merecia ter vindo mais cedo. Mais vale tarde do que nunca, suponho eu…
Não podemos deixar de falar da componente solidária destes dois jogos: pelas vítimas do verão horrível e infinito que tivemos este ano. É uma ótima iniciativa, na minha opinião. Quem acompanhe este blogue há uns anos, saberá que, em várias ocasiões, a Seleção tem sido das poucas coisas que me dão ânimo, que me dão esperança em algo bom no futuro. Como tal, fico satisfeita por, desta vez, essa esperança se traduzir em ajuda concreta para as vítimas dos incêndios.
Eu tenho a sorte de não estar, nem de longe nem de perto, numa situação tão aflitiva como essas pessoas. Dito isto, por estes dias, também me dava jeito usar a Seleção como consolo, desanimada como ando com o que se passa no Mundo – os incêndios foram só uma parte.
Por sinal, os países que temos como adversários encontram-se entre os culpados pelo meu estado de espírito.
Portugal jogou contra os Estados Unidos há relativamente pouco tempo – durante o desastroso Mundial 2014. Juntem a este o ainda pior jogo do Mundial 2002 e podemos concluir que não temos recordações muito felizes dos americanos.
Estes, no entanto, acabaram de falhar a Qualificação para o Mundial 2018 e de trocar de selecionador. Não serão um adversário fácil, mas estarão, em princípio, uns quantos furos abaixo do que estiveram no Brasil.
E nós, graças a Deus, estamos vários furos acima: Campeões no nosso continente e Qualificados para o Mundial da Rússia.
Não posso deixar de referir uma declaração curiosa do, agora, ex-selecionador norte-americano. Este admitiu a possibilidade de a presidência de Donald Trump andar a servir de motivação extra para os adversários derrotarem os Estados Unidos. Sobretudo no que diz respeito à retórica anti-imigração.
Não posso dizer que não compreenda esta atitude, até porque também ando com imensa raiva aos Estados Unidos, pela abominação que elegeram para presidente. E, se formos a ver, os norte-americanos são dos que mais contribuem para o aquecimento global, através da emissão de dióxido de carbono. Se este ano tivemos verão quase até novembro, levando a incêndios catastróficos a meio de outubro… os Estados Unidos têm culpa no cartório. Até porque o seu presidente atual decidiu retirá-los do Acordo de Paris para as alterações climáticas.
Sei perfeitamente que os jogadores de uma seleção não refletem necessariamente o governo do seu país. Também sei que existem muitas pessoas decentes entre os americanos que não se reveem em Trump. Eu mesma, há um ano, não deixei passar em branco o “muro” que americanos e mexicanos construíram, antes de um jogo entre as respetivas seleções.
Mas a frustração que nós, fora dos Estados Unidos, sentimos não desaparece. Nós não votámos nas eleições norte-americanas, não escolhemos ter Trump nas nossas vidas. No entanto, ele é um problema para todos nós.
Não que o nosso outro adversário, que defrontamos hoje, seja muito melhor. Não vale a pena falar do seu histórico futebolístico, é insignificante. Prefiro ressaltar o facto de a Arábia Saudita não aceitar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, não garantir liberdade religiosa ou política, não respeitar os direitos das mulheres. Diz-se mesmo que se rege pelas mesmas leis do Estado Islâmico (tirem um momento para pensar nisto). Só agora é que vão deixar as mulheres conduzir e assistir a jogos de futebol.
Nós, em suma, vamos realizar dois jogos de carácter humanitário com seleções de país que são péssimos exemplos para a Humanidade. Sou a única aqui a reparar na ironia?
É evidente que estes adversários foram escolhidos apenas por critérios futebolísticos, não políticos. Fernando Santos referiu mesmo que queria testar a Seleção perante adversários de continentes diferentes, o que faz sentido. Nós só jogamos com seleções não-europeias em Mundiais e na Taça das Confederações, ou em preparação para esses campeonatos. É uma das dificuldades acrescidas de um Mundial relativamente a um Europeu e uma das razões pelos quais não coloco Portugal como favorito ao título de campeão.
Este texto acabou por sair mais amargo do que o habitual. Peço desculpa, mas, como disse acima, ando desanimada com o estado do Mundo e não estou a conseguir separar o futebol e a Seleção do que se passa fora das quatro linhas.
Estou a tentar recordar-me das minhas próprias crenças: que o futebol é mais forte que o ódio, que a nossa Seleção é um exemplo de algumas das melhores facetas da Humanidade, tal como escrevi no ano passado.
Estes jogos solidários servem precisamente para colocar essas facetas ao serviço daqueles que preciso. A Seleção vai jogar pela esperança, contra o desânimo. E também para que, a médio/longo prazo, possa dar-nos alegrias, com a de 2016. Alegrias essas que tornam o Mundo um pouco menos insuportável. Pelo menos para mim.
Quero pedir desculpa pelo relativo atraso deste texto. E avisar que o próximo (vou analisar os dois jogos no mesmo texto) também deverá vir atrasado, que vou estar ocupada ao longo da próxima semana. De qualquer forma, não deixarei de manter a página de Facebook atualizada com as principais notícias da Seleção. Não deixem de visitá-la!