Vendo o mesmo filme
No passado dia 17 de junho, a Seleção Portuguesa de Futebol venceu a sua congénere bósnia por três bolas sem resposta, no Estádio da Luz… e eu estive lá. Três dias depois, a Seleção venceu a sua congénere islandesa por uma bola sem resposta. Ambos os jogos contaram para a Qualificação para o Euro 2024. Com estes resultados, Portugal encontra-se em primeiro lugar no grupo J com doze pontos.
Comecemos pelo primeiro jogo, perante a Bósnia-Herzegovina. Um fim de dia bem passado, como acontece sempre que vejo a Seleção. A entrada no Estádio da Luz foi demorada, mesmo faltando cerca de uma hora para o apito final. Nesta tenho de concordar com a minha irmã: os acessos ao Estádio da Luz deixam muito a desejar, sobretudo quando comparados com os do Estádio de Alvalade – quando fomos ao jogo com o Liechtenstein, chegámos em cima da hora mas a entrada até foi rápida. Passar pelo túnel da Luz demora sempre imenso tempo – e consta que, desta vez, houve um problema qualquer com alguns bilhetes, o que atrasou tudo ainda mais.
Talvez a coisa tivesse demorado menos se eu não tivesse querido ir às roulottes. Foram mais uns vinte minutos na fila, se calhar sem necessidade. Ainda assim, não me arrependo – a bifana com ovo, bacon, cebola frita, queijo, cenoura ralada, batata frita e alface soube-me pela vida.
E, mesmo tendo custado, ainda deu para chegar à bancada quando as equipas estavam a aquecer. Não foi grave.
Eu é que, como poderão ver na foto, escolhi muito mal o meu lugar. Passei o jogo quase todo encostada para a frente, com a cabeça entre as traves. Fica a lição para o futuro: é preferível escolher filas mais acima.
Ainda assim, até se via bem. Estava à espera de pior.
Uma palavra para a animação antes do jogo, melhor que o costume. A Galp deve andar a investir forte no patrocínio à Seleção: todos os lugares tinham um bate-palmas para fazermos barulho. Adiantando-me ligeiramente, usei-o muito em certos momentos do jogo, a ver se os Marmanjos acordavam.
O melhor de tudo foi quando o animador pôs a tocar o refrão do Menos Ais. Não antes de explicar o que era, claro, pois 2004 já lá vai – uma grande fatia do público e mesmo parte da Seleção atual será demasiado jovem para se recordar. Consegui filmar o momento (sei que a minha vozinha é irritante, mas não peço desculpa por cantar). Seria sempre especial para mim, ainda o foi mais agora, depois de eu mesma ter recuperado este hino há pouco tempo, como expliquei no texto anterior. Agora estou com esperanças de que criem uma nova versão para 2024, a propósito dos vinte anos.
Uma coisa um bocadinho chata foi os dados móveis terem-me falhado no estádio – às vezes acontece-me no meio de multidões. Não deu para ir atualizando a página, como costumo fazer, nem criar stories para os Instagrams desta vida. A vantagem foi ter podido estar presente, ter prestado a devida atenção ao jogo, sem a Internet para me distrair.
Não que o que se passou dentro de campo tenha sido muito estimulante. Como toda a gente tem assinalado, o futebol das Quinas não entusiasmou ninguém nesta dupla jornada. A Bósnia entrou por cima no jogo, algo de que eu não estava à espera. A primeira oportunidade foi deles, aos vinte e dois minutos. Na altura não consegui ver bem – a minha bancada era na outra ponta do campo. Vendo no resumo, não dá para ver se Barisic estava a centrar ou a fazer um belo remate. Só sei que Diogo Costa teve de se esmerar para impedir a bola de entrar mesmo pelo cantinho da baliza.
O miúdo é tão bom!
No minuto seguinte, João Cancelo fez um belo cruzamento para Cristiano Ronaldo cabecear para as redes. Infelizmente, encontrava-se em fora-de-jogo.
Confesso que, nos minutos antes do golo de Bernardo Silva, já estava a pôr muitas coisas em causa. Concordo com o que o selecionador da Bósnia diria mais tarde: os nossos três golos foram marcados nas alturas certas. Este primeiro sobretudo, mesmo em cima do intervalo.
A jogada começou em Raphael Guerreiro. Este passou para Cristiano, que acabou por ir ao chão depois da entrada de um sérvio. Ainda assim, fez a bola chegar a Bruno Fernandes. Este último fez a bola atravessar uma linha de quatro sérvios, para Bernardo Silva rematar certeiro.
Este golo trouxe-me alívio, euforia e preocupação em partes iguais – porque Ronaldo demorou um momento a levantar-se. Na idade dele, uma pessoa fica sempre com medo. Felizmente acabou por se erguer de novo e por se juntar aos festejos, ainda que coxeando – já depois de alguns colegas o terem abraçado.
Ainda tive esperanças de que o golo servisse para desbloquear o jogo na segunda parte, mas não tive sorte. Os primeiros vinte minutos foram igualmente pastosos. A invasão do adepto foi o episódio mais excitante da segunda parte até esse momento.
Já agora, umas palavras sobre isso. De acordo com as autoridades do futebol – e não discordo – devíamos todos ignorar o que aconteceu para não dar ideias a outros, mas este momento foi demasiado delicioso. Nomeadamente a parte em que o moço pegou em Ronaldo e o elevou no ar. O safadinho deve ter tido um pico de adrenalina, daqueles que dão forças a uma pessoa para levantar um carro para salvar um filho.
Esse momento aqui foi lindo demais.
— Cristiano Ronaldo Brasil | Fan Account (@CR7Brasil) June 17, 2023
O maluco invadiu o estádio, abraçou o Cristiano, levantou ele no colo e ainda fez a comemoração junto. Cristiano, você é pika. ❤️pic.twitter.com/gU6fX5KVtd
E infelizmente esta foi a única ocasião em que o estádio inteiro gritou “SIII!!” – o invasor pediu a Ronaldo para recriar o festejo.
Não vou mentir: fiquei com uma pontinha de inveja.
Uma palavra agora para os adeptos da Bósnia. Não estava muito longe deles na bancada. Não sei se deu para ouvir em casa, mas eles passaram o jogo todo a cantar e a puxar pela sua equipa, mesmo depois de estarem a perder. Tenho sempre imenso respeito por adeptos assim. No fim do jogo, ainda troquei olhares com um par deles e fiz um gesto a aplaudir.
O jogo animou a partir dos setenta minutos, mais coisa menos coisa – quando Rúben Neves entrou. Ele mesmo fez uma assistência teleguiada para um grande cabeceamento de Bruno Fernandes para as redes.
Ainda houve tempo para Diogo Jota desperdiçar uma excelente assistência de Ronaldo. Pelo meio, aos oitenta e oito minutos, Rúben Neves perdeu a bola errada, Hamulic rematou e Diogo Costa voltou a brilhar. Desta vez a defesa foi do meu lado, pude ver bem. E naturalmente gritei:
– Grande Diogo! Grande Diogo!
Nós de facto somos abençoados. Nos últimos doze anos tivemos dois guarda-redes deste calibre de seguida: primeiro Rui Patrício e agora Diogo Costa.
Suponho que tenha de falar sobre os assobios a Otávio – algo de que, infelizmente, eu já estava à espera. Por um lado, irritou-me um bocado a atenção que se deu ao episódio. Uns quantos idiotas que assobiaram durante trinta segundos receberam mais atenção que os milhares que criaram o excelente ambiente na Luz durante o jogo todo.
E, sejamos sinceros, ao contrário de João Mário, o comportamento do Otávio em relação ao Benfica tem sido censurável. O que por sua vez só sublinha a hipocrisia dos adeptos – os que assobiaram são exatamente o tipo de pessoas que, como Otávio, insultam clubes rivais.
Por outro lado, acho bem que este tipo de comportamentos – que não são uma novidade, infelizmente, sempre existiram – seja cada vez menos tolerado. É um primeiro passo para mudar mentalidades.
E de resto, parafraseando o que o Pepe disse, a realidade podia ser outra há trinta ou quarenta anos, mas desde que me lembro os jogadores entre eles, no seio da Seleção, não olham a clubes, dão se todos bem uns com os outros. Aliás, mesmo passados estes anos todos, poucas coisas me aquecem o coração tanto como ver os Marmanjos sendo afetuosos uns com os outros. É uma das melhores coisas, não apenas da Seleção, mas também do futebol em geral. Um exemplo a seguir.
Finalmente, já em tempo de compensação e numa altura em que, nas bancadas, pedíamos “Só mais um!”, uma bola interceptada por um bósnio foi parar a Bruno Fernandes, em cima do limite da grande área. Este rematou de primeira, assinando o seu segundo golo. Estava feito o resultado.
Foi mais um fim de dia bem passado, como costuma ser o caso sempre que vou à Seleção – mesmo que o jogo em si não tenha sido muito apelativo, tirando na parte final. Se me dissessem antes do jogo que ganharíamos por 3-0, imaginaria uma exibição mais cativante. Por outro lado, depois de ter passado cerca de sessenta por cento da primeira parte receando um empate, para ser sincera, por alturas do apito final estava bastante satisfeita com o resultado.
Havemos de regressar a esse tema. Para já, temos de falar sobre o jogo com a Islândia. Não que eu tenha muita coisa a dizer. Estive a trabalhar durante a primeira parte – espreitando sites de atualizações quando podia – e acompanhei os primeiros quinze minutos da segunda parte via rádio.
Parece que não perdi nada.
Do pouco que vi, os islandeses jogaram com mais garra do que eu esperava, depois daquilo que descobri acerca do seu historial recente. Recordou-me um pouco o nosso primeiro jogo no Euro 2016, na verdade.
Um aspeto curioso foi o facto de todo o jogo ter decorrido à luz do dia. Uma coisa rara por cá, o que é pena, pois sempre gostei mais assim. O jogo decorreu na véspera do solstício de verão, um dos dias em que se observa o sol da meia-noite em países perto do Pólo Norte, como a Islândia. Bonito, mas Pepe e Ronaldo, coitados, queixaram-se de não conseguirem dormir com a luz – eu acho que também não conseguia.
Para ver o jogo, no entanto, foi agradável. E pude ver o mais importante com os meus próprios olhos, pela televisão: o golo de Ronaldo ao cair do pano. Não consigo descobrir quem faz o excelente primeiro passe para Gonçalo Inácio. O jovem central, depois, assistiu de cabeça para Ronaldo enfiar a bola no estreito intervalo entre o guarda-redes e a trave.
A festa ficou em stand-by pois o árbitro assistente assinalou fora-de-jogo a Gonçalo Inácio e o VAR foi chamado a intervir. Estivemos minutos em suspenso, mas no fim o árbitro tomou a decisão correta (ainda que os islandeses não concordem). Os Marmanjos festejaram como se a bola tivesse acabado de entrar – não sei como conseguem, para mim o VAR corta sempre o momento. E, uma vez mais, depois de uma exibição tão fraquinha, foi um alívio levarmos os três pontos à mesma.
A ideia com que fico – e a minha opinião vale o que vale, pois só vi uma parte do jogo – é que foi pior que perante a Bósnia. No jogo anterior sempre marcámos três golos e não foi necessário os bósnios terem ficado reduzidos a dez.
Nada disto é novo, temos visto este filme muitas vezes nos últimos anos. Só acho estranho ainda estar em exibição mesmo com um novo Selecionador. Como em muitas ocasiões durante o mandato de Fernando Santos, há atenuantes e/ou desculpas. Estamos no fim de uma época longa e estranha – por exemplo, uma semana antes do jogo com a Bósnia, Bernardo Silva e Rúben Dias estavam a jogar a final da Champions. Martínez fartou-se de falaram em “fadiga mental” ao longo desta jornada – não acho que esteja errado. E, se falarmos estritamente de resultados, as coisas até estão a correr bem.
Mais do que bem, até: quatro vitórias em quatro jogos, catorze golos marcados, nenhum golo sofrido. Uma Qualificação imaculada até agora, algo inédito nas mais de duas décadas em que acompanho futebol, algo que sempre desejei. E claro que nem sempre é possível fazer exibições de encher o olho, sobretudo nesta altura do campeonato.
O problema é a longo prazo, quando deixa de ser suficiente. É o que tem acontecido inúmeras vezes de 2016 para cá. Serviços mínimos exibicionais, dependendo menos da equipa como um todo e mais de lampejos de inspiração das nossas maiores figuras, conseguindo os resultados, conseguindo os resultados… até não conseguir. Pouco importa pouco importa… até ao dia em que importa muito: no Mundial 2018, no grupo da Liga das Nações em 2020, na Qualificação para o Mundial 2022, no grupo da Liga das Nações em 2022, no Mundial desse mesmo ano.
Não quero apontar já armas a Martínez. O senhor acabou de chegar, ainda não teve assim tantas ocasiões para trabalhar com os Marmanjos. E, mal por mal, está a conseguir resultados com a Seleção que ninguém consegue há pelo menos duas décadas. O tempo dirá se estas mais exibições foram ocasionais ou se isto é um problema sistemático que nos leve a desperdiçar oportunidades… outra vez.
Uma palavra para Cristiano Ronaldo antes de terminarmos. A meu ver, o Marmanjo voltou a justificar a sua Convocatória nesta dupla jornada. Todos assinalaram o seu altruísmo durante o jogo com a Bósnia. Perante a Islândia, por sua vez, fez de Deus Ex Machina, como tem feito inúmeras vezes nos últimos vinte anos. E agora atingiu o número redondo de duzentas internacionalizações – é o futebolista masculino que mais vezes representou a sua Seleção.
E diz que quer continuar.
Já partilhei o que penso e sinto em relação a isso na página do Facebook. Em suma, a minha cabeça tem inúmeras objeções mas o meu coração terá sempre, no mínimo, uma porta semi-aberta para Cristiano.
A ver o que acontece daqui a um par de meses. Para já, aproveitemos as férias – estamos todos a precisar – e rezemos para que os Marmanjos não migrem todos para a Arábia Saudita.