Valores
Na próximo domingo, dia 13 de novembro, a Seleção Portuguesa de Futebol receberá a sua congénere letã, no Estádio do Algarve, em jogo a contar para a Qualificação para o Campeonato do Mundo da modalidade.
Fernando Santos apresentou os Convocados para este jogo na semana passada. Não há novidades, tirando a Inclusão de Luís Neto para substituir o lesionado e castigado Pepe. João Moutinho também falhou a Convocatória por motivos físicos.
Não há assim muito a dizer sobre esta fase do campeonato. A Letónia ocupa o quinto lugar da tabela classificativa do grupo B, com a penas uma vitória (frente à Andorra). O nosso historial frente a esta seleção é exemplar: quatro jogos, quatro vitórias. Só me recordo dos dois mais recentes, durante a Qualificação para o Mundial 2006. O primeiro, em setembro de 2004, teve um momento engraçado, quando uma mulher em cuecas invadiu o jogo, durante a segunda parte. Até Luiz Felipe Scolari, o Selecionador Nacional na altura, se riu. Coincidência ou não, poucos minutos mais tarde, Portugal marcou os dois golos da vitória, quase de seguida: o primeiro de Cristiano Ronaldo, o segundo de Pedro Pauleta. Nada como uma mulher nua para dar inspiração...
O segundo jogo, em outubro de 2005, o último desse Apuramento, serviu apenas para cumprir calendário - a Qualificação havia sido selada no jogo anterior, frente ao Liechtenstein. Portugal ganhou por três bolas sem resposta - duas de Pauleta, uma de Hugo Viana. Foi, aliás, neste jogo que Pauleta ultrapassou o recorde de Eusébio. O açoriano foi o melhor marcador de sempre pela Seleção durante oito anos e meio até Cristiano Ronaldo arrebatar-lhe esse recorde.
Com tudo isto em conta, é pouco provável que a Letónia nos coloque muitos problemas, para além do habitual "autocarro" à frente da baliza. Portugal continua obrigado a ganhar para se manter na luta pela primeira posição na tabela, ocupada pela Suíça. É pouco provável que os suíços escorreguem nesta jornada, pois vão jogar com as Ilhas Faroé, em casa, onde bastante fortes - nós mesmos pudemos comprová-lo. Não há volta a dar, acho que vamos andar colados aos calcanhares suíços até os reencontrarmos no último jogo de Qualificação. Quem nos mandou adormecer à sombra da Henry Delaunay?
Tirando esse deslize, estamos prestes a encerrar o nosso melhor ano em termos de Seleção. Sagrámo-nos Campeões Europeus em julho e continuamos a colher os frutos. Cristiano Ronaldo está entre os finalistas tanto da Bola de Ouro como do Melhor Jogador do Ano da FIFA (prémios que, a partir de este ano, deixaram de ser um só). Não que outra coisa fosse de esperar - Ronaldo é convidado recorrente na cerimónia anual da FIFA desde 2009. No entanto, esta nomeação tem um sabor que mais nenhuma outra tem: por ter sido à custa, pelo menos em parte, do primeiro título da Seleção Portuguesa.
Título esse que também possibilitou a Pepe e... a Rui Patrício serem nomeados para a Bola de Ouro. Destaco a nomeação do guarda-redes português, pois eu não estava à espera. Não que ache que não seja merecida - bem pelo contrário. É a confirmação do estatuto de Rui Patrício como guarda-redes de classe mundial - algo que eu há muito que sei que ele é, sobretudo depois da final de Paris.
Por sua vez, a nomeação de Fernando Santos para Treinador do Ano da FIFA era algo em que eu pensava já poucas semanas após o Europeu. No entanto, achava pouco provável, demasiado bom para ser verdade. Mas não é. Fernando Santos está entre os nomeados e consta que tem boas hipóteses. O Selecionador diz que esta nomeação é produto do trabalho, não só dele, mas também de inúmeras outras pessoas na Federação Portuguesa de Futebol, começando pelo seu presidente, e também que é um prémio "dos portugueses" , que é mais um reflexo de Portugal se ter sagrado Campeão Europeu.
Até a campanha de marketing da Federação, com o slogan "Não somos 11, somos 11 milhões", lançada em vésperas do Euro 2016, está nomeada para um prémio da UEFA. Se o mereceu é questionável, na minha opinião - conforme escrevi na altura, eu gostei, mas faltou-lhe um bocadinho de subtileza em certos momentos, sobretudo no que diz respeito ao Tudo o Que Eu te Dou, Somos Portugal. No entanto, cumpriu o seu objetivo, Portugal ganhou o Euro 2016. Tudo acaba por desaguar no nosso primeiro título.
Gosto, aliás, de pensar que este título acabou por contagiar os restantes escalões das seleções portuguesa e vice-versa - 2016 está a ser um ano excelente para a Federação. Destaco a Seleção Feminina, que se Apurou pela primeira vez para o Europeu. Tentarei acompanhar esse campeonato, no próximo ano - já devia ter alargado os meus horizontes e dado atenção ao futebol feminino há mais tempo.
Estas nomeações todas confirmam o bom período de que falei antes. Neste momento, o meu desejo é encerrar 2016 com chave de ouro: ou seja, uma vitória que nos mantenha presos aos calcanhares suíços e à luta pelo primeiro lugar. Tal como nos jogos anteriores, mesmo que os Marmanjos falem em possíveis dificuldades, a vitória está perfeitamente ao nosso alcance, não há desculpas.
O mundo extra-futebol está a mudar e não para melhor. Nos últimos dias, tenho-me agarrado à Seleção para não sucumbir ao desespero e ao cinismo. Quem segue este blogue há uns anos já saberá que vejo a Equipa de Todos Nós como uma fonte de consolo e de esperança. Na verdade, tenho vindo a vê-la como mais do que isso.
Numa altura em que o racismo e a xenofobia se estão a tornar mais comuns, a Seleção Portuguesa representa um país, é certo, mas é constituída por jogadores de várias origens: de Portugal Continental, das Regiões Autónomas, das PALOPs, filhos de emigrantes em França e na Alemanha, o filho de um brasileiro, um brasileiro naturalizado português (mas que ama Portugal e a Camisola das Quinas mais do que, se calhar, muitos portugueses nascidos cá), um cigano. E, dentro da Seleção, ninguém tem problemas com isso, a cor da pele não é um fator. (Isto, para mim, é uma noção básica de civismo, algo que devia ser a norma. Mas, infelizmente, muitos não pensam assim.)
Numa altura em que um medíocre, filho de milionários, sem experiência nenhuma como político, é eleito presidente dos Estados Unidos, os jogadores da Seleção Portuguesa chegaram a onde estão sem favores, por mérito próprio, por diversas vezes construíram a sua carreira do zero. O nosso melhor jogador podia nem sequer ter nascido, passou fome e frio em miúdo, saiu de casa sozinho aos onze anos e, desde essa altura até hoje, sempre trabalhou mais do que qualquer um para chegar a onde está. Ainda continua a fazê-lo, mesmo sabendo que muitos o consideram o Melhor do Mundo.
O autor do golo que nos deu o primeiro título cresceu como um órfão, num lar de acolhimento, e teve dificuldades em estabelecer uma carreira como futebolista (quando estava no 12º ano, treinava sozinho todas as noites, mesmo que fizesse frio ou chovesse). Até há bem pouco tempo, era desprezado pela massa adepta. Ele mesmo calou-os a todos com um golo para a eternidade. Outro jogador de destaque na Seleção afirmou mesmo, numa entrevista, que o futebol o salvou do crime, da droga, mesmo da more. Tudo o que eles têm hoje devem-no a eles mesmos.
Adicionalmente, já ficou mais do que provado que, como grupo, são exemplares, sobretudo como se viu no Europeu. Momentos como o Ronaldo chamando o João Moutinho para os penálties frente à Polónia; Bruno Alves indo ter com o Ronaldo, enquanto este era levado de maca para os balneários; este último andando entre os colegas entre os colegas antes do prolongamento e no intervalo deste para lhes dar força; dizendo ao Éder que ele marcaria o golo da vitória; mais tarde, já depois do golo, enviando Raphael Guerreiro de volta para o campo, depois de ele se ter magoado; oferecendo a Bota de Prata a Nani, já no fim do jogo. Juntem a isto os momentos de cumplicidade e brincadeira que vemos em quase todos os estágios, a recente troca de partidas entre Ronaldo e Quaresma.
Eu sei que parece estranho estar a falar disto agora, mas eu nunca precisei mais de fazê-lo. Numa altura em que, no outro lado do oceano, o medo, o ódio, o elitismo, a ignorância venceram, é mais urgente do que nunca agarrarmo-nos aos valores que os jogadores da Seleção seguem: respeito, cooperação, solidariedade, trabalho, fé, humildade, perseverança. Eu sei que isto é um bocadinho ingénuo mas, numa altura em que o futuro parece tão sombrio, preciso de algo, por pequeno e fútil que seja, que me faça acreditar nas melhores facetas da Humanidade.
Felizmente, o futebol já começou a reagir ao que aconteceu e não desiludiu.
O tempo dirá quais serão as consequências dos eventos da semana que termina agora. Não me vou alongar mais sobre isso, que este é um blogue sobre futebol. Procuro sempre não perder a noção de que o futebol é apenas um desporto, um entretenimento. No entanto, acredito que se mais instituições funcionassem como a Seleção, se mais pessoas seguissem o exemplo dos nossos jogadores, o Mundo seria um lugar muito melhor.